5/08/2006

A Espiritualidade e Educação Teológica: UMA REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO DA IGREJA BRASILEIRA ENTRE CONHECIMENTO ACADÊMICO E A PRÁXIS CRISTÃ

Espiritualidade e educação teológica parecem dois temas conflitantes. O que mais se vê são igrejas reclamando de enviar seus membros aos cursos de teologia e os mesmos voltarem “mortos espiritualmente”. Alguns até dizem que academia é lugar de “deserto espiritual”.
Este conflito entre razão e espiritualidade se acentuou na modernidade, onde a divisão entre razão e sentido chegou ao seu extremo. Neste sentido, o protestantismo também ficou dividido entre Dogmatismo/fundamentalismo e, liberalismo/progressismo. Para se entender melhor este conflito, traçar-se-á uma linha paralela desses dois modos de reflexão teológica.

Liberalismo/Progressismo
Ø Subordinação da fé à razão a fim de manter o prestígio intelectual da teologia;
Ø Forma racionalista de compreensão da prática da fé;
Ø Estudo teológico baseado no treinamento intelectual profundo, fundamentado no domínio da filosofia e do raciocínio crítico;
Ø Currículos privilegiando a teologia sistemática e a exegese, tratando ligeiramente sobre a pratica ministerial e a vida cristã;
Ø Espiritualidade vista como “agir ético baseado em princípios racionais e situacionais”;
Ø Amor identificado como prática do bem aos necessitados;
Ø Espiritualidade vinculada à Obediência – aos ditames da razão e da liberdade individual, e não a regras impostas.

Dogmatismo/Fundamentalismo
Ø Formação teológica exclusivamente espiritual, aonde a “razão era subordinada à vida de oração, meditação da Palavra e prática do serviço a Deus na Igreja”;
Ø Teologia como apologética, mostrando a rebeldia da razão e o caráter herético do liberalismo;
Ø Espiritualidade como reta doutrina ou reto comportamento. A base da espiritualidade passou a ser a ética;
Ø Enfim, a palavra chave da espiritualidade aqui também é a obediência – “à Escritura (subordinando a razão à doutrina e o intelecto à Bíblia), à vontade de Deus (comportamento vinculado à lei de Deus), à autoridade eclesiástica (ela é garantia de fidelidade à Escritura e a vontade de Deus)”.

O Brasil foi mais influenciado pelo fundamentalismo norte-americano, dando mais ênfase à prática ministerial, dada a necessidade de crescimento e afirmação social das Igrejas. Assim, o critério de avaliação de um seminário era e eficiência na formação de alunos preparados para o ministério.
No nosso país, o conflito ficou entre teoria e prática, ao invés de razão e fé. Assim, a formação teológica basea-se em criar bons líderes que consigam alavancar grandes ministérios. Se estes formados não têm bom êxito, desconfia-se da “espiritualidade” de sua formação.
Então, a espiritualidade ministerial tem como palavra chave conformidade. “Ser espiritual é ser conforme as expectativas ministeriais da igreja ou da comunidade que pastoreia”.
Após o advento da pós-modernidade, o líder passa por uma crise de identidade. A concorrência do mercado cristão, influenciado decisivamente pelas mega-igrejas nos grandes centros (ditando as normas que influenciam as demais igrejas), gera uma série de modelos de ministério e de igrejas que, muitas vezes, se tornam ineficazes.
Isto influencia a formação teológica e a espiritualidade:

Escolas conservadoras:
Ø Exigências do mercado (competição entre igrejas, rápido crescimento, valorização do empirismo) não combinam com a formação pastoral. Assim, seus alunos já alcançam o padrão exigido;
Ø Sem essa eficácia, as igrejas começam a desconfiar da espiritualidade destes seminários e de seus ministros. Sinas disso são a ordenação cada vez maior de líderes sem formação teológica, criação de seminários de pequeno porte (com a visão de suas igrejas), busca por cursos de menor duração e enfáticos nas áreas de gestão e administração, no lugar da teologia.

Escolas Progressistas:
Ø Desconfiança na razão põe em xeque o estudo crítico das Escrituras;
Ø À distância entre teoria e prática aumenta, quando mais as habilidades dos alunos não atendem a demanda do ministério pastoral competitivo;
Ø O discurso progressista é chamado de saudosista, devido ao declínio do compromisso político-social e a descrença em mudanças sócio-econômicas.

Existem já reações à pós-modernidade. Alguns sinais são:
“A revalorização da comunhão e do estudo no âmbito da igreja local, através das várias propostas de pequenos grupos e discipulado; surgimento de novas formas de espiritualidade, baseada nos livros de James Houston, Ricardo Barbosa, Eugene Peterson e Henri Nouwen; revalorização da reflexão teológica a partir da prática e crítica, através de encontro s de pastores e líderes; Investimento na criação de cursos teológicos a nível superior; o número crescente de líderes eclesiásticos que buscam aperfeiçoamento ministerial através de cursos de pós-graduação teológica; a busca de novos modelos de teologia e espiritualidade das faculdades e seminários teológicos”.

Após toda esta perspectiva da relação entre espiritualidade e formação teológica, traçar-se-á como relacioná-los frente aos desafios atuais.
Em primeiro lugar, quem dá o crescimento espiritual é Deus: “Desisti de esperar que pessoas ou instituições de proporcionassem aquilo que já estava bem ali, no meu quintal”.
A primeira pessoa responsável pelo próprio crescimento é o estudante, pois o Espírito Santo habita nele. A igreja local e o seminário (academia) são co-participantes, criando um ambiente propício para seu desenvolvimento, e a maturidade espiritual é um lugar conflitivo, de permanente confronto da pessoa na comunidade a que pertence e estuda (contra o Diabo, o mundo, a carne, o pecado).
À Igreja cabe selecionar bem as pessoas enviadas para os seminários. Não devem ser neófitos na fé, nem pessoas que nunca exerceram ministérios reconhecidos na comunidade. Muito menos pessoas problemáticas, para que os seminários as conserte. Preparação ministerial e teológica devem ser somente para aqueles que estão em processo de amadurecimento espiritual.
Não basta só enviar, mas continuar acompanhando-o como irmão, e não como “projeto de pastor”.
A escola teológica cabe a formação crítica do indivíduo, tendo uma visão clara de seu ministério, nunca se esquecendo da formação espiritual do aluno.
Completando esta reflexão, não se pode deixar de citar que o discernimento deve permear tanto a formação teológica como a espiritual. Nada pode fazer a ligação entre fé e razão melhor do que o discernimento. Colossenses 1:9-14 deve ser o ensinamento base de Paulo para o caminhar árduo na busca do equilíbrio entre teoria e prática, razão e fé:
“Por esta razão, nós também, desde o dia em que ouvimos, não cessamos de orar por vós, e de pedir que sejais cheios do pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual;
Para que possais andar de maneira digna do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra, e crescendo no conhecimento de Deus,
Corroborados com toda a fortaleza, segundo o poder da sua glória, para toda a perseverança e longanimidade com gozo;
Dando graças ao Pai que vos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz,
E que nos tirou do poder das trevas, e nos transportou para o reino do seu Filho amado;
Em quem temos a redenção, a saber, a remissão dos pecados”.
(Colossenses 1:9-14).



BIBLIOGRAFIA

ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. A Espiritualidade e a formação Pastoral. In: BOMILCAR, Nelson (Org.). O melhor da espiritualidade brasileira. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p. 255-272.